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quarta-feira, 12 de julho de 2017

LOOSERS

O trio Loosers (baixo/bateria/voz/electrónica) têm vindo no último ano a incendiar a cena underground da baixa lisboeta. Inevitavelmente Loosers têm a reputação de serem rebeldes e... loosers (desleixados). Descontentes com a euforia criada em volta do electro-rock, o trio pratica um som poderoso e energético (delírios descobertos na sala minúscula onde ensaiam) embebido de distorção e dissonância dançante, remontando ao no wave Novaiorquino e ao noise-hardcore. Os lisboetas Loosers, liderados pelo vocalista Tiago Miranda, apresentaram-se num Maus Hábitos medianamente composto por uma plateia que desconhecia quase por completo aquilo que a banda tinha para mostrar. Sabia-se apenas que o trio tem vindo a incendiar Lisboa com actuações arrebatadoras e que ameaçava espalhar a imprudência pelo resto do país. Embora sejam pouco conhecidos por cá, os Loosers fizeram já uma digressão internacional que contou com as visitas a Belfast, Glasgow, Manchester, Hong Kong e Macau e têm já um primeiro EP intitulado Six Songs, editado na Zdbmüsique. Ao vivo, os Loosers apresentam-se com uma bateria, um baixo, uma guitarra e um orgão manhoso, daqueles que parecem ter sido comprados na loja dos 300, perdão, um euro e meio mais próxima. Os Loosers são Rebels. Confusos? Tiago Miranda usava uma camisa engelhada, e uns longos sapatos pretos. O baixista envergava uma camisola onde se podia ler Loosers. Mas quando o concerto começou, os pequenos pormenores deixaram de fazer sentido. A coisa prometia logo desde o primeiro acorde. Além do mais, havia mais cerveja e vinho em palco do que água. Obviamente pensamos em Liars. Pensamos em pós-punk, na no-wave nova-iorquina. Pensamos em hardcore, assistimos à rebeldia e insubmissão. O punk é levado a dançar pois surge infestado de ritmos funk. O baixo marca as canções. Tudo o resto lhe obedece, lhe presta homenagem. As linhas de baixo abrem caminho; um caminho onde de junta a bateria espasmódica e a guitarra ou o orgão de Tiago Miranda. Junta-se também a voz. Repetem-se palavras de ordem, soltam-se epígrafes e cacofonias distorcidas. "ahhhh", "uhhhhhh", "yeahhhhh". Nada precisa de fazer sentido. O baixista troca de instrumento com o guitarrista e vice-versa. Surge a dança na plateia, primeiro tímida e depois... bem, tímida. Três canções após o começo do espectáculo, Tiago Miranda olha para público e manifesta-se descontente pelo facto de estar tudo demasiado "morto". O emaranhado de sons difusos pedia extravasamento de emoções, dança endiabrada, derramamento de sangue. Solta-se suor que cai no palco, junta-se a ele metade de uma palheta partida pelo guitarrista em fúria. Já não há controlo, ou pelo menos não devia haver. Não é preciso. Música abrasiva, confrontacional. Quem precisa de melodias explícitas quando se pode ter simplesmente barulho? Os riffs são repetitivos, de uma corda apenas. As canções são quase todas curtas, poderosas, enérgicas. "Children Still fall free from ice", "New Beat", "Theoretic", "Gestures". Banda sonora para actividade desvirginante, ou o ataque de uma fanfarra em fúria. Vêm-nos à cabeça a esfera dançante dos Gang of Four, os ambientes sombrios de uns Wire, as extensões esquizofrénicas de uns The Fall. E porque não a racionalidade de uns Ex Models? E a irreverência de uns Neu! ou de uns Suicide? É um emaranhado de música suja, desajeitada, difusa, confusa. O frontman Tiago Miranda, quer na guitarra, quer no baixo, quer nas teclas, movia-se de forma desordenada em alarve tresvario, a fazer lembrar por vezes Ian Curtis. O baixista e o baterista são mais contidos nas manifestações, mas nem por isso são amorfos. Marasmo e inércia são coisas que não existem na música dos Loosers. Para finalizar, "Graveyard", uma canção ainda mais acelerada que todas as outras. A palavra "velocidade" ganha uma outra expressão por alguns momentos, e quando tudo parecia normal, quando se pensava que as coisas não podiam ficar mais descontroladas, o caos propaga-se. Os Loosers começam a destruir tudo, até que não restassem provas de crime. O orgão esmagado, as guitarras no chão, a bateria irreconhecível, tripés partidos. Tiago Miranda atira mesmo uma garrafa de cerveja para o chão, que se parte e espalha vidros e líquido por todo o lado. O palco torna-se num verdadeiro cenário de guerra. Os The Who não fariam melhor. Os estilhaços chegam mesmo a provocar vítimas na audiência, mas ninguém parece ficar incomodado. Violência suficiente para chocar - imagine-se - Artur Albarran e até mesmo para deixar o repórter estrábico. O trio deixa o palco de forma desvairada e os olhares incrédulos de algumas pessoas atestavam a brutalidade da actuação. No fim, ficou o feedback do baixo a entoar nos ouvidos da plateia, até que alguém decidiu desligar o amplificador. É o preço do rock'n'roll. Quem é que está disposto a pagá-lo? [André Gomes]

DISCOGRAFIA

 
6 SONGS EP [CD, ZDBMuzique, 2003]

 
FOR ALL THE ROUND SUNS [LP, Ruby Red Editora, 2005]

 
OTHA GOAT HEAD [2xCDR, Ruby Red Editora, 2005]

 
SLUGS [12"Maxi, Ruby Red Editora, 2005]

 
IIII [CD, Ruby Red Editora, 2005]

 
ENDLOSUNG [CDR, Our Mouth Records, 2006]

 
BULLY BONES OF BELGIE [LP, Qbico, 2006]


BUMBA MEU BOI [Tape, Not Not Fun Records, 2006]

 
BIG DIG [CD, Unknownmix/Headz, 2007]

 
LOGIC ON ITS HEAD [10"EP, Not Not Fun Records/Woodsist, 2007]


SIDELIGHTS [Tape, Fuck It Tapes, 2007]


AIN'T NO PARTY LIKE A HOLY GHOST PARTY [Tape, Meudiademorte, 2008]

 
LOVE HAS COME AROUND [LP, Troglosound, 2008]

 
NATIVES ARE RESTLESS [2xLP, Qbico, 2008]

 
SPLIT [c/Owl Xounds] [7"Single, Release The Bats Records, 2008]

 
HOT JESUS [12"Maxi, Lovers & Lollypops, 2013]

COMPILAÇÕES

 
PORTUGAL: A NEW SOUND PORTRAIT [CD, N Records, 2005]

PRESS
Um Caso de Instinto, Cristina Sacramento, Blitz nº 902 de 11-02-2002
Façam Vocês Mesmos, Rita Guerreiro, Blitz nº 968 de 20-05-2003
Six-Pack de Canções Punk, Blitz nº 986 de 23-09-2003
Conversão, Sem Aversão, ao Rock, Gonçalo Palma, Blitz 989 de 14-10-2003
Números, Cigarros e Disco, Gonçalo Castro, Mondo Bizarre nº 17 de 11-2003
O Lado Negro da Pop, Filipe Silva, Rock Sound nº 14 de 01-2004
Uma Certa Lisboa que Lateja, Vítor Junqueira, Mondo Bizarre nº 23 de 07-2005