A história começou assim: em Março de 2006, João Alves organiza um workshop de circuitbending no Porto, no qual Marta Ângela se inscreve (ela, na altura, já fazia uns trabalhos como DJ) e o grupo inicial de participantes vai diminuindo, até que só ficou Marta. Dizem eles: "O pessoal desistia. Mas, na realidade, nós queríamos ficar sozinhos. Estávamos a apaixonar-nos". Começam a trabalhar em conjunto em Abril e sob a designação Electrocutatus Santificatis Rudimentarum Extremis Electrocutatus Santificatus Rudimentarus Extremis Electrocutatum Santificatum Rudimentarum Extremis (ESRE) lançam imediatamente o CD-R “Schhheeeeeeeeeee!”. A 22 de Junho, realizam o primeiro concerto no Cinema Batalha e adoptam a partir daí o nome de Calhau!. A gravação desse concerto daria origem à sua segunda edição discográfica. O material utilizado no concerto inclui mini-disc, gravações de campo, bateria electrónica, boneca doente, guitarra, bandeira portuguesa queimada com cigarro, sampler, caveira e diversa maquinaria rudimentar quitada. Os primeiros dois anos de actividade em conjunto são marcados por sucessivas edições discográficas, registando as experiências um pouco selvagens que vão fazendo com aquilo que os interessava, sejam sons de animais, desenhos animados japoneses, ou outra coisa qualquer. Com formação em artes visuais, sempre estiveram interessados na dimensão performativa da música. A esquizofrenia de nomes sob os quais se apresentam no início (ESRE, Calhau!, Má), estabilizou em torno da designação Calhau. Os nomes iam aparecendo e sendo refeitos e reutilizados, sempre os mesmos, mas sempre diferentes, como uma família. O ritmo alucinante com que vão lançando as primeiras edições, resulta da vontade de marcar os dias, de registar um determinado processo de trabalho desenvolvido, mas também do processo relacional e da empatia que se estabelece entre os dois, mais do que qualquer tique ou trejeito artístico. A componente gráfica, feita a meias, como tudo o resto, bebe influências do psicadelismo, dos posters dos anos 60, tipo Rick Griffin. A nível musical, as influências vão desde Smegma, Sun Ra até aos finlandeses Erkki Kurenniemi, Sperm, e as diversas vanguardas. Insatisfeitos com o circuito das artes plásticas, onde o artista aparece na inauguração e depois raramente interage na exposição, preferem os concertos e todo o ritual de palco, permitindo-lhes colocarem-se em risco. Iconoclastas, cheios de sentido de humor, apresentaram-se em 2006, juntamente com António Contador, no Festival Trama de braços atados, tocando com os pés, "Tecnicamente, não tínhamos capacidades - muito menos com os pés. É caricaturar ainda mais essa situação, mas, ao mesmo tempo, esperar que ali surja qualquer coisa. Que nessa fragilidade, nesse empecilho, naquele esquema montado para se autodestruir, possa surgir qualquer coisa". Na cosmologia sempre em expansão Calhau, elementos como o fato de leopardo cosido à mão são tão importantes como a caixa de emitir sons, têm ambos a mesma força. Aliás, o padrão do leopardo, foi o mote para a apresentação no Out.Fest 2010, no Barreiro, onde apresentaram "O Método do Leopardo", que depois evoluiu para "Étodo do Leopardo". "Desapareceu o M da 'manha'. O método é uma manha que se vai ganhando - para fazer caixas, o que for. O que nos interessa é quando a manha se perde e então tudo surge". Livres, transdisciplinares, sempre abertos a experimentar em diversas as áreas desde a música, artes plásticas, cinema, instalações, artes gráficas, poesia sonora, vão criando um universo próprio marcante e em constante evolução. Esse processo contínuo, conduziu-os a "Quadrologia Pentacónica", LP com 4 temas, produzido por Bernardo Devlin (ex-Osso Exótico) e editado pela Rafflesia. Antes de mais, este disco é uma grande surpresa, pois sem abandonarem as suas idiossincrasias, aproxima-os do formato canção. Hipnóticos, xamânicos, panteístas convocando cerimoniais antigos, usando os jogos de linguagem para explorar todas as suas variações semânticas e fonéticas: “lâmina/animal”, “ódio do servil / livre só doido”, são exemplos entre muitos outros que se encontram ao longo dos temas. A voz de Marta Ângela pausada e com cuidada dicção, tanto remete para uma Nico dos discos mais negros, como para uma Ana Deus em êxtase dadaísta. Em “Quadrologia Pentacónica", os Calhau alcançam uma improvável síntese entre as diversas tradições e a modernidade, apartados de filiações óbvias, criando uma das obras mais singulares e surpreendentes dos últimos anos.
DISCOGRAFIA
SCHHHEEEEEEEEEEE! [CDR, Edição de Autor, 2006]
ALIVE AT BATALHA [CDR, Edição de Autor, 2006]
ECHO [CDR, Edição de Autor, 2006]
AVANTI CANIBÁLIA [CDR, Edição de Autor, 2006]
BANHA SONORA [CDR, Edição de Autor, 2006]
MÀINESAMAMAKIKOSAMAMÀINES [CDR, Edição de Autor, 2007]
PÖMES [CDR, Edição de Autor, 2007]
NOSSA SENHORA DE FÁTIMA MACHINE [MP3, Merzbau, 2007]
QUADROLOGIA PENTACÓNICA [LP, Rafflésia, 2011]
MAGNETO LUMINOSO CONDUTOR SOMBRA [LP, Edição de Autor, 2013]
A CÔRTE D'URUBU [CD, Edição de Autor, 2015]
PRESS
Barafunda Moribunda, Daniel Quintã, Bodyspace, 06-06-2007
Noutro Hemisfério com os !Calhau!, Pedro Rios , Ípsilon, 17-03-2011
Este blogue é uma cópia (feita em boa hora) do extinto Under Review https://underrrreview.blogspot.com/
sexta-feira, 21 de julho de 2017
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