Apelo às setenta e sete vidas da poesia. Olha-me em caixas maciças de luz, melhor, fala-me com caixas de música. O sal que escreve inspira musicalidades geométricas. Quando Al Berto escrevia logo o Mar acordava prateado de espuma. E até os dias se confundiam nos sóis. Depois vieram três cavaleiros da bruma (Alexandre Cortez, Nuno Grácio e Pedro D'Orey) a querer emparedar tão luminosas palavras com a ponta afiada do experimentalismo musical. Agarraram os instrumentos e abafaram palavras em espiral armadilhada, alçapão da criatividade, insubmissão do movimento alternativo ao clássico (impotente?) recital de poesia. E nasceu o projecto Wordsong, alicerçado na veia-mãe da poesia – sonhos de Al Berto, em voz latente, alta, como o sonho mastigado pelo escuro. Wordsong Al Berto encontra, nos sentidos, consequências contraditórias. Para os apaixonados pela obra do poeta do Mar, a primeira impressão é violenta, arranha, quase desfigura a eficácia semântica do poema. A segunda (e terceira e quarta e quinta...), hipnotiza. Duplo efeito: a redescoberta, a reinterpretação à luz de um novo cais. Métrica arrastada, na geometria da voz de Pedro D´Orey, incomoda e depois entranha (intertextualidade pessoana propositada, para compreender em linhas mais adiantadas deste texto). Efeito para quem ouve palavras salgadas pela primeira vez: o inverso – a paixão da descoberta de um tesouro. Neste álbum, o experimentalismo com espinhas electrónicas, base em guitarra-baixo-voz, atravessa a todo o vapor relíquias albertianas como 14 de Jeneiro (“Desconfio que se disser mar em voz alta o mar entra pela janela”) ou Horto de Incêndio. Visitas guiadas pela alma do poeta também são encarnadas na colaboração de JP Simões e Sérgio Costa (Quinteto Tati), em "Não Cantes", e Tó Trips (Dead Combo) na transversal "Amor, Amar-te". De fora do alinhamento ficou "Acordar Tarde", interpretada pelo outro fora-da-lei: Jorge Palma (e incorporada no seu álbum Norte). Testemunho ardente da imortal docilidade da poesia, o álbum já encontrou irmão em Wordsong Pessoa (eis a explicação prometida), recentemente projectado em disco e concerto para amantes sem nome. Apelo às setecentas e setenta e sete vidas da poesia: nem nas cinzas nos faleçam as chamas. E os Wordsong até são uns fósforos gigantes. [Sílvio Mendes]
DISCOGRAFIA


AL BERTO [CD, 101 Noites, 2002]


AL BERTO [Livro, 101 Noites, 2002]


PESSOA [CD+Livro, 101 Noites, 2006]
COMPILAÇÕES


PORTUGAL: A NEW SOUND PORTRAIT [CD, N Records, 2005]
PRESS
As Novas Pistas da Lisboa Boémia, Gonçalo Frota, Blitz nº 841 de 12-11-2002
Livro A Berto, António Pires, Blitz nº 961 de 01-04-2003
Tribalismos, Gonçalo Frota, Blitz nº 972 de 17-06-2003
Concertos, Álbum e DVD, Blitz 989 de 14-10-2003
A Vida Secreta das Palavras, Gonçalo Frota, Blitz 990 de 21-10-2003