Megafone foi o projecto mais pessoal de João Miguel Antunes Aguardela, nascido em Lisboa a 2 de Fevereiro de 1969. Músico autodidacta, iniciou-se nas lides musicais com os efémeros Hyperactiv Child, depois Meteoros, e em finais de 1987 fundou os Sitiados. João Aguardela foi um dos mais relevantes artistas da moderna música portuguesa, passando do folk-rock festivo dos Sitiados, para os heterodoxos Linha da Frente apostados em cantar textos de autores marcantes da cultura e identidade portuguesa, até às novas cambiantes que deu ao fado nos A Naifa. Procurou sempre transcender a tradição, reinventando-a para os novos tempos contra todos os preconceitos. Como reconhecimento do seu talento irrequieto e inovador, recebe em 1994 o Prémio Revelação da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA). Em 1997, depois da edição do quarto álbum dos Sitiados, surge o projecto Megafone, permitindo-lhe fazer uma série de experiências em torno da música tradicional. Nos Sitiados, já eram visíveis diversos elementos da cultura e tradição musical popular, mas eles surgiam de forma quase instintiva, sem uma intenção deliberada e reflectida, mas apenas porque estavam marcados inconscientemente na matriz genética dos elementos da banda. Quando Aguardela, tem contacto acidental com as recolhas de música tradicional portuguesa de Michel Giacometti e José Alberto Sardinha, as coisas passam a adquirir um novo sentido e uma forte consciencialização das raízes e isto vai marcar profundamente o seu percurso musical. O primeiro disco de Megafone é marcado pela violência do quotidiano rural pressentido nos samples das recolhas de Giacometti, sintonizando-os com brutais ritmos electrónicos tecno industriais. A estranheza é total – dois mundos em colisão – o antigo e o novo mundo, a tradição e a modernidade. Algo entre a groove-box e a junta de bois. Os puristas não gostaram, levando Aguardela a afirmar ao jornal Público “Às vezes sinto que sou tradicional demais para o meio pop e que sou pop demais para o meio tradicional”. De facto, apenas o GAC e a Banda do Casaco no disco com Ti Chitas, pegaram na música de raiz mais tradicional e a recontextualizaram numa abordagem mais contemporânea, mas mesmo assim estes projectos eram menos radicais, pois estavam mais próximos de uma matriz folk/prog. Sem surpresa, não houve editoras interessadas em lançar o disco. Em 1998, surge o segundo capítulo de Megafone, agora com edição da Farol. Enquanto o primeiro disco tinha uma ideia de unidade, de elementos ligados uns aos outros para concretizarem uma ideia, Megafone 2 reúne experiências muito diversas e fragmentárias, como se cada um dos doze temas correspondesse a uma personalidade diferente e Aguardela funcionasse como o produtor. A esta dispersão não é alheia a abertura do projecto à participação de colaboradores habituais como Samuel Palitos, Sandra Baptista e Rodrigo Dias em alguns temas. Apesar dos convidados comandarem alguns temas, mantém-se o lado áspero combinado com a electrónica Ao vivo, é um espectáculo diferente do habitual, onde Aguardela funciona como DJ, onde entra a percussão, a bateria, depois os samples de voz e aquilo de repente transforma-se num cyber-arraial. Apresenta-se nas FNAC’s, no Teatro Camões, no Rivoli, entre outros. Por esta altura, surge a edição do álbum “Sexto Sentido” dos Sétima Legião, que partilha muitos dos pressupostos do projecto Megafone. Em 2001, é lançado Megafone 3, de novo em edição de autor (A Pérola Negra, é um selo editorial criado por Aguardela e Luís Varatojo). Este disco representa uma nova viragem, apresentando um som menos cru, mais imediato e dançável, menos brutal que o primeiro, menos fragmentário que o segundo, reafirmando a vontade de não se repetir. Há vários elementos reconhecíveis e cativantes para o ouvinte, com o intuito de chegar a uma audiência mais alargada, mais próximo da estratégia dos Sitiados. Novamente a solo, e com uma abordagem puramente intuitiva à música tradicional, de quem não teve contacto directo com quem cantava nos serões da aldeia ou na labuta, teve que reinventar, que operar um processo de transformação, estilhaçando e ficcionando as recolhas etnográficas, que serviam apenas de ponto de partida, de mote para o seu trabalho. Megafone 3, não é uma evolução em relação aos discos anteriores, é antes um caminho alternativo. Como sempre, tudo é artesanal, feito em casa, desta vez com propósitos mais lúdicos, de divertir as pessoas, apanhando as zangas das comadres ou as lamentações dos pastores, e muitos elementos do folclore da Madeira. Cada canção apresenta uma pequena introdução do seu fragmento original, seguindo-se o tratamento exuberante e fantasista dado por Aguardela. Para este disco, procurou coisas com mais cor, menos presas às recolhas, dedicando uma maior atenção à construção do edifício musical. Realiza diversos concertos em locais como o Lux, FNAC’s, Parque Expo, Teatro das Beiras e El Matador no Barreiro. Em 2005 é editado o derradeiro Megafone 4, que encerra o ciclo de busca de uma determinada portugalidade, que Aguardela sempre procurou para tentar perceber quem era em termos musicais. Outra vez um manifesto contra a cristalização da tradição, renovando a vontade de transformar e criar uma nova identidade cultural, jogando a sua obsessão entre a memória e a contemporaneidade. Em meados de 2008, uma terrível doença retira-o dos palcos. Viria a falecer a 18 de Janeiro de 2009, no Hospital da Luz, em Lisboa, antes de editar o quinto álbum de Megafone. Foi criado um site, denominado "Megafone 5" onde estão disponíveis os 4 álbuns do projecto e que é a face visível de um esforço de homenagear e manter vivo o seu legado. Em sua memória foram criados os Prémios Megafone, com o apoio da SPA, que distinguem anualmente um músico ou uma banda (Prémio Megafone Música) e uma entidade não musical (Prémio Megafone Missão).
DISCOGRAFIA
MEGAFONE 1 [CD, Edição de Autor, 1997]
MEGAFONE 2 [CD, Farol, 1998]
MEGAFONE 3 [CD, A Pérola Negra, 2001]
MEGAFONE 4 [CD, A Pérola Negra, 2005]
MÚSICA PARA UMA NOVA TRADIÇÃO [4xCD Boxed, ATM, 2010]
MEGAFONE 1 [Reissue] [CD, ATM, 2010]
MEGAFONE 2 [Reissue] [CD, ATM, 2010]
MEGAFONE 3 [Reissue] [CD, ATM, 2010]
MEGAFONE 4 [Reissue] [CD, ATM, 2010]
COMPILAÇÕES
PROMÚSICA 11 [CD, Promúsica, 1997]
SANTOS DA CASA [CD, Coimbra B, 1998]
EXPLORATORY MUSIC FROM PORTUGAL 01 [CD, Calouste Gulbenkian, 2001]
PRESS
Música Tradicional Portuguesa c/Ritmos Tribais, J. Botas, Promúsica 11, 11-1997
Fora do Sítio, Miguel Gaspar, Diário Noticias, 06-02-1999
Tecno-Artesanato, Jorge Mourinha, Blitz nº748 de 02-03-1999
Reconstruir a Tradição, Marco Pereira, Correio da Manhã, 06-04-2001
Em Directo com Aguardela, Patrícia Frazão, Raio X nº 37 de 06-05-2001
Danças e Folias, Jorge Mourinha, Blitz nº 862 de 08-05-2001
Megafone, Tiago Luz Pedro, Ípsilon, 25-05-2001
Música Tradicional do Século XXI, A. Faria, Promúsica 55 de 08-2001
Heróis da Terra, Eurico Nobre, Diário Notícias
Atrás Nasce o Som da Frente, CS, Blitz nº 888 de 06-11-2001
Este blogue é uma cópia (feita em boa hora) do extinto Under Review https://underrrreview.blogspot.com/
quarta-feira, 19 de julho de 2017
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