Páginas

quarta-feira, 19 de julho de 2017

JOAQUIM COSTA

Certa manhã, ao entrar no Parque Mayer, onde parava com regularidade ouviu "uma coisa esquisita". Era um som diferente, vindo de uma jukebox colocada numa casinha que o tempo se encarregou de eliminar. Era Bill Haley & His Comets. Sem conhecimentos de inglês, Joaquim Costa decidiu deixar crescer a popa e as patilhas e iniciar-se na arte de cantar à sua maneira. Apesar da trapalhice, o timbre colocado ajudou-o, enquanto as engenhosas vocalizações davam para desenrascar e fazer boa figura. As primeiras demonstrações públicas do talento escondido não tardaram a aparecer. Um conhecido que tocava em conjuntos de baile acedeu a alinhar numas sessões de improviso no Jardim da Estrela. Juntavam-se ao pé de uma máquina de discos e passavam o tempo a bebericar uns cafés, entremeados por batuques nas mesas e uns temas dos States. Os toscos ensaios ao ar livre deram frutos. A banda, composta por seis elementos, soube da realização naquele local de uma feira cultural e dirigiu-se aos escritórios de Leitão de Barros, programador do espaço, para saber se podia participar. O grupo acabou por ser contratado. Ganhava 50 escudos por noite, uma fortuna para a altura, embora o acidental herói do rock se tenha aborrecido depressa. Ainda em 1959 cantou na Mitra, incluído no lote de artistas convocados para o Natal dos Hospitais, e não fecharia um dos anos de ouro da sua vida sem gravar um disco de 78 rotações na antigo Rádio Graça, objecto de culto eternizado por apenas 200 escudos. "Fui à Valentim, mostrei o disco e disseram-me para deixá-lo ali e fazer uma versão em português de um tema famoso. Um amigo ajudou-me a traduzir a letra, mas detestei aquilo. Sou um tipo desconfiado, tenho sempre um pé atrás, e achei que por intermédio da canção estavam a despachar-me, a dizer aquilo que não tiveram coragem de afirmar na cara." O outro exemplar da gravação ficara perdido no arquivo da Rádio Graça, que acabaria por fechar as portas. De um momento para o outro, Joaquim Costa via escaparem-se por entre os dedos os dois discos. Qual Indiana Jones à procura da arca perdida, deu início a uma busca desenfreada, mas sem sucesso. Perseverante, veio a encontrar um deles trinta anos após a gravação, na Feira da Ladra, local onde até há pouco tempo marcava o ponto todas as terças-feiras e sábados, para vasculhar preciosidades do rock’n’roll. "Ainda me lembro desse dia de 1989. Foi o mais feliz da minha vida, acho que já tinha perdido a esperança de encontrar o disco. Nunca mais o larguei." O fabuloso Costa, outro dos epítetos inventados para o descrever, passou parte das décadas de 60 e 70 a meio gás, com concertos nas mais variadas colectividades, casas de recreio ou de amigos. Esteve nos Jotas do Rock, duo com o qual ainda gravou à experiência na Rádio Renascença, embora o tema tenha acabado por passar lá pela uma da manhã. A sua última aparição em público foi já na década de 80, no ‘Passeio dos Alegres’, mítico programa de Júlio Isidro onde se tentava descobrir o Elvis Presley português. O "Elvis de Campolide" faleceu em 2008.

DISCOGRAFIA
 
JOAQUIM COSTA CANTA ROCK N ROLL [7"EP, Meteorito Records, 2007]

COMPILAÇÕES

 
PORTUGUESE NUGGETS 03 [LP, Galo de Barcelos, 2007]