Quando ouvi o álbum dos Zero, lançado o ano passado, fiquei algo desiludido. A maior parte das canções são excelentes, os estilos que o grupo assume como os seus mais amados - o psicadelismo do final dos 60 (principalmente dos Pink Floyd, primeiros singles) revisto à luz de Manchester-segunda-metade-dos-80 (Stone Roses e, mais ainda, aqueles seus primos afastados, em geografia e em talento - muito, mas muito maior-, os Primal Scream), o glam-rock de Bowie, Roxy Music e algum, menos, Marc Bolan, algumas contribuições do rock progressivo mas suficientemente disfarçadas para não caírem no foleiro - são prova de bom gosto e, mais do que isso, de aprendizagem aturada por parte de quem fez carreira baseado em muita pop «mainstream» dos 80, como foi o caso dos Ban. A desilusão veio do quarto lado do quadrado Zero: o de Alexandre Soares, que é - só! - o melhor guitarrista pop português dos últimos quinze anos. Foi das suas mãos que saíram as melhores canções dos GNR - «Sete Naves» é só um exemplo - e era das suas mãos que se esperavam as maiores façanhas do primeiro álbum dos Zero. Tal não veio a acontecer. A fidelidade aos modelos apontados no parágrafo anterior e a hiper-orquestração de quase todas as canções de "Zero" dilulram o talento de Soares no meio dos outros instrumentos todos. Ainda se dá por ele algures em «Mil Polaroyds» e «Experience», mas pouco mais. Ao vivo, pelo contrário, os Zero conseguem fazer saltar à vista de todos o talento imenso de Soares. Muito quietinho no seu canto, espartilhado no meio de mais oito companheiros, continua a ser um espanto olhar para aqueles dedos de mestre da guitarra. Só por isso - para ver com os próprios olhos que Alexandre Soares continua a ser um grande senhor da música portuguesa, agora definitivamente convertido aos encantos do psicadelismo - teria valido a pena ir à Gartejo na sexta-feira passada. Mas não foi só por isso. Passando para trás das costas o facto de os Zero estarem no seu terceiro concerto e que o grupo ainda está muito amarrado às fórmulas do álbum - não tendo por isso, muitas vezes, o impacto ao vivo que poderia ter -, pode-se dizer que os Zero - os quatro originais e a pandilha toda que agora têm atrás de si - podem transformar-se, a curto prazo, numa excelente máquina de som. Falta-lhes, talvez, uma maior alegria em palco, um maior poder de comunicar com as massas - mesmo concordando que a audiência da Gartejo foi particularmente difícil, com muita gente do meio musical e pouco povo para aderir à festa, se descontarmos os três estranjas que por lá andavam aos saltos -, uma maior aposta na voz de Emília Santos e, claro, muito mais liberdade na interpretação dos temas do disco. Uma liberdade que, ao contrário, os Zero asstumiram perfeitamente nas versões de Iggy Pop ("Fire Girl"), Rolling Stones ("Sympathy For The Devil") e David Bowie ("Fashion"). E ficaram duas canções lindlssimas e que têm passado despercebidas: «Sonhos Violentos» (apesar das sementes de «Tubular Bells» e «I Can See Clearly Now» que por lá, subtis, vão germinando de vez em quando) e «Flores». Temos banda! [António Pires]
DISCOGRAFIA
ZERO [LP, Sony, 1992]
TUDO OU NADA [7"Single, Sony, 1992]
TUDO OU NADA [12"Maxi, Sony, 1992]
TUDO OU NADA [CD Single, Sony, 1992]
MIL POLAROIDS [12"Maxi, Sony, 1992]
SAFIRAS [12"Maxi, Sony, 1992]
PRESS
Novo Mundo de Aventuras, António Pires, Blitz nº377 de 21-01-1992
No Ponto Zero, Hugo Moutinho, Blitz nº397 de 09-06-1992
O Passado já lá Vai, Hugo Moutinho, Blitz nº420 de 17-11-1992
Lições de Psicadelismo, António Pires, Blitz nº437 de 16-03-1993
Segunda Geração, António Pires, Blitz nº511 de 16-08-1994
Este blogue é uma cópia (feita em boa hora) do extinto Under Review https://underrrreview.blogspot.com/
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