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terça-feira, 11 de julho de 2017

THE IDS / THE LOVE CRAFT

Durante algum tempo, na segunda metade da decada de 90, o movimento gótico pareceu renascer um pouco por todo o país. A região do Grande Porto não foi alheia a esse ressurgimento, sendo que muito do que impulsionou esse novo sopro de vida se passou nessa região. Desde os vários festivais, passando por fanzines (Mehr Licht!, The Gates Of Ur, In The Rain, Midnight Fanzine), bandas e eventos multiplos, toda uma série de acontecimentos impulsionavam um movimento que todos os jornalistas e analistas da moda consideravam morto e enterrado mas que, contrariamente a todas as previsões, dava sinais inequívocos de vitalidade. É neste prolífico contexto que vão emergir os The Ids. Corria o ano de 1996 quando Hipnos (baixo) e Eerie Eel (voz), comungando interesses e partilhando pontos de vista, decidem criar algo que servisse de veículo de expressão às suas ideias, conceitos e visão do mundo. Optando por um nome que espelhasse esses princípios, vão buscar o conceito freudiano de Id, lugar da psique onde as pulsões primárias e os instintos residem, embora sob o apertado controlo do Ego e do Super-Ego. Encontrando fieis correligionários em Fly (bateria) e Raw Art (guitarra), começam a transpôr as suas interpretações do ocultismo e vivências do lado negro da psique. Estreando-se ao vivo ainda em Novembro desse ano, no III Festival Gótico "The Symphony of Darkness", e apesar da boa recepção e críticas à actuação, começam a tornar-se evidentes divergências internas, divergências essas que levarão Raw Art a sair do grupo. Contudo, ainda durante os inícios de 1997, um substituto para o seu lugar é encontrado em R?, sendo já ele que participará nos trabalhos de preparação e de gravação da cassete "All The Night Would Uncover", editada em Junho pela própria Midnight Productions. Afirmando-se como expressantes de um psycho-goth e com um som cru, muito próximo do pós-punk de inícios dos 80’s, os sete temas que a compõem afastam-se de clichés do gótico, ao mesmo tempo que demonstram uma energia muito própria, visceral e catártica. Não andando longe de uns Theatre of Hate, UK Decay ou dos já mais recentes Every New Dead Ghost, apresenta algumas tonalidades virginprunianas que lhe dão um carácter mais experimental. Somando a isto um bom registo vocal, não distante da linha das bandas acima mencionadas, o registo mostrava uma banda promissora e com ideias novas que infundiam novo sangue no obscuro verbo gótico. Aliás, a própria cassete demonstra a evolução e progressão sonora da banda, contendo o lado A temas mais antigos e de estrutura mais simples, enquanto o lado B, com composições mais recentes, comprovava a contínua transformação e desenvolvimento dos The Ids como banda, apresentando temas mais complexos e com maior acervo de soluções de arranjos. Aliás, o tema "Final Curtain" é disso prova, reconhecendo-se nele já pistas do caminho futuro a seguir. A inesperada saida de R?, pouco tempo após o lançamento de "All The Night Would Uncover", será o pronuncio do fim do projecto, mas tal não os impedirá de, embora reduzidos a trio (dividindo o trabalho de guitarras), continuem a trabalhar em novas composições, começando aos poucos a criar uma nova envolvência sonora, embelezando as composições com uma cada vez maior complexidade de arranjos, ao mesmo tempo que lhes injectavam uma carga mais experimentalista. Apesar disso, e ainda no Outono desse ano, os The Ids terminam. Hipnos, contudo, não se dá por vencido e formula um novo conceito que partirá, em muito, do destino que já estava a traçar anteriormente. Agora conhecido por J.Scarlet (e ocupando-se da voz, teclados e letras), irá congregar, neste novo projecto, Eve’s Malice (guitarras e programações rítmicas) e Edgar (baixo e programações rítmicas). Nova nomenclatura se impunha para um novo apropriar de conceitos. A escolha vai recair sobre The Love Craft, querendo significar o amor como motor da existência humana. A estreia ao vivo dá-se no concerto de passagem de ano, em conjunto com os The Whisper, perante uma excelente reacção do público face a músicas que ainda desconheciam. Com uma sonoridade extremamente romântica, cantando o desencanto e a agonia do amor, estavam já mais próximos da dark wave que do pós punk, havendo mesmo alguns elementos, mais ou menos subtis, do neo-romântico e, claro, do gothic rock. Oscilando entre a melancolia extrema e ragos de frenesim e pura paixão, as composições demonstravam já uma grande maturidade para tão incipiente projecto, estando pejadas de melodias profundas e excelentes arranjos. O ano de 1998 vê algumas actuações suas (mormente com Remembrance, Martyrium e The SymphOnyx, no I Midnight Festival), sempre com boas reacções e críticas, começando-se a falar da gravação de uma demo. Esta, contudo, só verá a luz do dia já no decurso do segundo semestre de 1999. Contendo dois temas (entre os quais se destaca o épico e fabuloso "Love And Oblivion"), a maquete vem confirmar todas as expectativas e promessas dos espectáculos ao vivo, demonstrando mesmo uma certa vertente onírica nas composições, não perdendo nada da intensidade da entrega em palco. Em Novembro desse ano, e conjuntamente com os noyAghem, farão a abertura do primeiro concerto dos Diary of Dreams em Portugal. Apesar de estar tudo a parecer correr de feição, pelos inícios de 2000 os The Love Craft encerrarão, definitivamente, a sua carreira. [Paulo Martins]

DISCOGRAFIA


ALL THE NIGHT WOULD UNCOVER [Tape, Midnight Production, 1997]

LOVE AND OBLIVION [Tape, Edição de Autor, 1999]