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quinta-feira, 6 de julho de 2017

RUI MAIA

O que é certo é que chegamos em Portugal a um pop/rock digno do coração mais genuíno de Londres ou Nova Iorque, sem tretas nem medos, todo predisposto a proporcionar qualidade e satisfação como durante tanto tempo esperávamos pouco dos projectos nacionais (santos Mão Morta ou Pop Dell’Arte que foram sempre a grande excepção). O Rui Maia está no Olimpo desses novos músicos que se mandaram de vez por todas para um som cosmopolita e que nos coloca no sítio certo. Finalmente, Portugal pode ser de facto o sítio certo da música, berço de uma contemporaneidade exuberante e preciosa que arrisca desempoeirar grandemente o marasmo de outrora. Eu quero cometer a inconfidência de contar que numa aventura recente em que me cruzei com o Zé Pedro (dos Xutos) falámos com convicção acerca do assombro que era a música dos X-wife. Esse assombro chega a cada vez mais gente e convence, decisivamente, os nossos músicos mais estabelecidos, que parecem abrir passagem entusiasticamente. Conto isto porque na conversa, entre a enumeração do melhor que se podia ouvir e ver ao vivo nos dias que correm, o nome dos X-wife apareceu espontaneamente e ambos regozijamos e ficamos com um brilho nos olhos típico de quem saberia ser a noite perfeita, o concerto mais a calhar do momento. O Rui Maia, no entanto, não se podia esgotar no colectivo que integra. O seu trabalho vai além do electro-rock mais canção e entra num universo pessoal, por ser mais experimental ou menos (por vezes nada) centrado no formato verso/refrão. Aparece assim como um músico ágil, diverso nas texturas e nos contextos, a revelar capacidades de composição como desafio necessário de um verdadeiro criador de arte. O Rui Maia precisa desse espaço de afirmação própria onde, sem renegar nada o colectivo (e neste EP que agora apresenta é significativa a abertura com a voz de João Vieira), assuma as suas preferências específicas, burilando carismáticamente a imagem de rocker que tem. Com este EP, Mirror People, pode estar a aludir a quem vê no espelho, ele mesmo, numa primeira acepção, ou pode aludir a com quem se identifica. Neste aspecto, reforça sempre a ideia de identidade e o incrível auto-retrato que reproduz no artwork do disco não deixa dúvidas de que este é um trabalho de afirmação, de identificação. Há uma força tremenda numa atitude destas, que vem de quem sabe o que faz e o que quer fazer e, por isso, não só não tem medo de assinar e dar a cara como acha isso essencial. Eu gosto desta frontalidade, desta atitude de coragem artística, porque o rock é dos audazes e é pela audácia que muito se define. Entenderão a maravilha que é para mim passar perto deste disco, passar perto deste músico. Tenho a sensação de que é com estas obras que se chega ao centro do mundo, não imediatamente por se ir lá fora à procura de onde isso seja, mas por fazer com que cá dentro, eventualmente onde o Rui Maia está, seja subitamente uma hipótese válida para o centro do mundo no que à música diz respeito. Assim, também não é nada estranho que Brian Repetto (senhor do excelente projecto Dark Esquire) seja outra voz no disco. As fronteiras em tempo de MP3 são uma memória do mais obsoleto e triste do passado. E eu só posso contentar-me por chegar tão ao pé, mas que não fique de fora ninguém. Este EP (esta música e este músico) é para todos, sem retrocesso, porque é bom de mais. [Valter Hugo Mãe]

DISCOGRAFIA

CANTONESE MAN [12"Maxi, Untracked, 2009]

 
MIRROR PEOPLE [CD, Optimus Discos, 2009]