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quinta-feira, 13 de julho de 2017

MISO ENSEMBLE

Remontando a 1985, as origens dos Miso Ensemble podem ser procuradas num agrupamento de música de câmara que, devido a peripécias e dificuldades diversas (nomeadamente económico-financeiras), acabou por ter que reduzir a sua expressão a um núcleo de dois músico: Paula Azguime (flautas) e Miguel Azguime (percussões). Embora não fossem propriamente novatos nas andanças musicais, a sua experiência limitava-se mais à área académica e a experiências ao nível de estudos e workshops, tendo sido isso, precisamente, que os impeliu a criar algo para além dos parâmetros restritivos dessa mundivisão, um universo próprio que, mesmo assentando profundamente as suas raízes nesse fecundo solo da aprendizagem, cresceu e estabelceu novas fronteiras, visões e ideários de composição e interpretação. Com as bases já pré-estabelecidas desde os seus primórdios, o grupo dedicou-se a visionar novos horizontes para a música contemporânea portuguesa, agraciando-a com uma alquimia muito própria e complementando-a com uma carga experimentalista vincada e, muitas das vezes, surreal. Dadas, então, as forças das circunstâncias, que obrigaram a uma economia de meios, o conceito de menos é mais tornou-se numa linguagem a explorar, criando parâmetros de minimalismo muito próprios, assentes numa química de cumplicidades e crueza de intenções. Durante os quatro primeiros anos de existência, experimentam soluções, procuram espaços e tempos e ganham postura e à vontade nos palcos portugueses, vencendo a estranheza das reacções que provocam, inicialmente, com a honestidade da entrega e a intimidade da sua proposta arrojada. Isto levá-los-á, em 1989, a registarem o primeiro disco, homónimo, de originais. Contendo obras comissionadas e outros originais, transpira auto-suficiência e simplicidade, demonstrando, acima de tudo, uma comunhão directa com as suas audiências, consistindo todas as composições de gravações directas ao vivo, sem maquilhagem de estúdio. Sem segredos, ilusionismos ou truques, demonstra a originalidade do seu trabalho e a entrega dos músicos, criando um disco único no género e gravando em pedra o nome dos Miso Ensemble como referência sólida na nova música portuguesa. Este cartão de visita, permitiu-lhes abrir novas portas para actuações, quer em Portugal quer no estrangeiro, ao mesmo tempo que lhes granjeou novas encomendas de trabalhos e deu credibilidade à Miso Produções, editora criada para, não só, editar os trabalhos do colectivo, como, também, para mostrar novos valores. Aliás, todo o seu trabalho promocional, que os levou, na maior parte das vezes, para fora de Lisboa, permitiu desmitificar o género, demonstrando que a dita música erudita é um conceito que não necessita de ser hermético, traduzindo-se a humildade da sua entrega num entusiasmado acolhimento por parte de um público, na sua maior parte, desconhecedor e leigo na matéria. Um segundo longa duração, também ele homónimo mas com o subtítulo de “Música Para Flauta e Percussão”, revela-se tão conciso e directo quanto o seu título, desenvolvendo ainda mais a proposta do anterior. Aprimoram-se as buscas pela essência das raízes mais simples e básicas da música, numa ligação aos instintos criadores primievos que levaram o Homem a conjugar sons como forma de expressão. A criação de novas composições levá-los-á a explorarem, cada vez mais, os limites dos seus instrumentos de eleição, assim como as suas próprias capacidades físicas de se apropriarem deles e os tornarem em extenções da sua alma e corpo, criando dialécticas que foram sendo enriquecidas com novas experimentações e abordagens, bem como pela introdução de uma sóbria componente electrónica e o substantivar de ambiências electro-acústicas. Paralelamente, e a partir do terceiro disco, estabelecem-se colaborações com outros músicos (neste caso Robert Glassburner, no fagote), enriquecendo assim, e de forma palpável, as paisagens sonoras e reminescências ritualistas da sua abordagem. Essa colaboração será alargada no quarto registo (Alain Neveaux, no piano), sempre com a preocupação de abarcar nuances diferentes a cada registo, a cada novo trabalho, a cada novo desafio. Tal arrojo foi-lhes valendo uma multiplicidade de prémios e menções, bem como um merecido reconhecimento por parte do público, edilidades, entidades diversas e instituições. Tal valor cristalizou-se pelo convite repetido que o Estado português repetidamente lhes fez para o representarem oficialmente em vários certames e mostras de cariz internacional. Paralelamente, Miguel Azguime, sob nome próprio ou em colaborações diversas, tem composto e interpretado multiplos trabalhos, no âmbito das musicalidades experimentais, electro-acústicas e clássico-contemporâneas, explorando, não só, os seus instrumentos de eleição como, também, o elemento vocal e as texturas poéticas, muitas vezes de uma forma mais convencional e próxima da sua formação, mas sem nunca perder o seu cunho e visões pessoais, sendo mesmo um nome concorrido para uma multiplicidade de instalações sonoras, nomeadamente para exposições. Aliás, já desde o álbum Vydia, compilado por Vítor Rua (em 1991), apareceu como solista, ao lado de nomes como Carlos Zíngaro, Telectu, Luís Desirat, D.W.Art ou o próprio Vítor Rua. O seu último conceito, a ópera Itinerário do Sal (de 2007), representa esse passo em frente no redescobrir do Ser e do Som, da ligação instintiva da humanidade à criatividade e Criação, do primitivo ao moderno. [Paulo Martins]

DISCOGRAFIA

 
MISO ENSEMBLE [CD, Miso Produções, 1988]

MISO ENSEMBLE [CD, Miso Records, 1991]

 
MISO ENSEMBLE [CD, Miso Records, 1992]

 
MÚSICA PARA FLAUTA E PERCUSSÃO [CD, Miso Records, 1992]

IMPROVISATIONS [CD, Miso Records, 1993]

 
ELECTRICITY+ [CD, Miso Records, 2002]

MIGUEL AZGUIME

PARA LÁ DOS MARES [CD, Miso Records, 1998]
PERCUSSION SOLO: ICONS [CD, Miso Records, 2002]
ITINERÁRIO DO SAL [CD, Miso Records, 2007]

COMPILAÇÕES

 
ELECTRONIC MUSIC 01&02 [2xCD, Miso Records, 2004]

PRESS
A Música Nua, Pedro Luso, LP nº6 de 07-12-1988
A Música de Todos os Perigos, Miguel Santos, Blitz nº271 de 09-01-1990
1+1=3, Rui Eduardo Paes, Blitz nº374 de 31-12-1991 e 375 de 07-01-1992