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terça-feira, 11 de julho de 2017

JOAQUIM D'AZURÉM

Joaquim Ferreira, conhecido no meio musical como Joaquim d’Azurém (tendo ido buscar o seu “alias” artístico à freguesia de Azurém, em Guimarães, local onde se localizava o antigo hospital dessa cidade e onde nasceu), viveu a maior parte da sua vida na França, país onde teve lições de acordeão e guitarra clássica. Tendo desenvolvido um interesse por vários e distintos estilos musicais, acabou por tocar bossa nova, rock e até fado. Este último contacto com esse tipo de música tradicional, vai pô-lo em contacto com a Guitarra Portuguesa, pela qual se apaixona profundamente. Sendo basicamente um autodidacta irá, em simultâneo à sua aventura da aprendizagem, começar a esboçar as suas primeiras composições para esse instrumento, isto ainda no ano de 1984. Esta ligação profunda do músico com o seu veículo de expressão, bem como o facto de aprender sózinho a dominá-lo, levou a que imprimisse sempre um cunho experimental e de renovada descoberta das suas cordas e riquesa tímbrica. Vindo a Portugal na Primavera de 1988, com uma maquete de dois temas na mão, entra em contacto com a independente Ama Romanta para uma possível edição do seu trabalho. Conseguindo impressionar João Peste, que lhe garante a total liberdade criativa e controlo sobre os aspectos estéticos de qualquer material que Ferreira pretendesse editar, é acordada, entre ambas partes, a entrada em estúdio ainda para os inícios do Verão desse ano. Nessa altura, Joaquim regressa ao nosso país para efectuar o registo em estúdio, ao mesmo tempo que traz mais duas composições prontas para o disco. Procede, então, à gravação de mais três temas, a expensas da Ama Romanta, ficando, assim, já esboçado o que seria o seu registo de estreia. Um primeiro acordo, estabelecido entre o músico e a editora, referia o mês de Dezembro como altura de edição do trabalho. Contudo, uma modificação na política editorial da Ama Romanta, levará a que a sua edição seja adiada para os inícios do ano seguinte, coincidindo com a saida de um pacote que a editora iria colocar no mercado, incluído o EP dos Pop Dell’Arte “Illogik Plastik” e o LP “Songs Against Love And Terrorism” de Sei Miguel e os Santos da Casa FM, numa tentativa de criar uma estratégia forte no mercado nacional. Este adiar, aliado à necessidade que ele tinha de ir a França tratar de assuntos (não podendo, por isso, estar disponível, nessa altura, para promover o trabalho), colocou o músico num sério problema financeiro, alegando esse facto como motivo suficiente para entrar em contacto com uma outra editora, a Edisom, e assinar com ela um contrato relativo ao trabalho já registado. Tendo sido celebrado na segunda quinzena de 1989, tal facto apanhou, aparentemente, tudo e todos de surpresa, tendo a própria Ama Romanta sido notificada de tal apenas uns escassos dias antes da prossecução do acto. Aliás, este diferendo, do qual, quer o Blitz, quer o jornal LP fizeram eco, levará a editora de João Peste a pensar seriamente em processar Ferreira, uma vez que parte das gravações com que ele se apresentou à nova discográfica, tinha sido por ela subvencionada. Esta polémica fará com que, e por motivos de direitos de autor, o músico adopte a sua assinatura artística de Joaquim d’Azurém, ao mesmo tempo que se regravam os temas a incluir no álbum, desta feita produzidos todos pelo autor. O já tão anunciado e esperado registo vê a luz do dia em Maio desse ano, Intitulado de "Transparências", revela-se, no seu conteúdo, como totalmente coadunante com o seu nome de baptismo, aprimorado por um som cristalino e transparente da Guitarra Portuguesa, que é senhora única em todo o fonograma. Inevitavelmente, e por não haver mais referências para este delicado instrumento (excepção feita ao fado, claro), o nome de Carlos Paredes, ou até, em certa medida, o de Júlio Pereira, afloram-se-nos na mente a propósito das particularidades deste registo. Contudo, não só pelo seu autodidactismo mas, sobretudo, pela enorme vontade de fugir às regras e limitações do fado e dos modelos técnicos de abordagem tradicional deste peculiar instrumento, o resultado final distancia-se dos caminhos desses compositores, criando um espaço novo por onde o experimentar da não-convencionalidade e uma postura não pragmática rasgam os limites da estética e abrem portas a toda uma nova míriade de sons e de estados de alma. Não se pense, com isso, que o trabalho será produto de alguma fórmula conceptual pré-definida pelo autor! Pelo contrário, todas as composições são gemas espontâneas delapidadas pelo instinto dos sentimentos, provocando, por vezes, momentos em que as emoções perdem o auto-controlo e se vivem à flor da pele. Sendo, na sua totalidade, um disco instrumental, a expressão pelo verbo faz-se na escolha cuidadosa dos títulos referentes a cada peça que dele consta, evocando as paisagens e sensações com que Azurém as impregnou, permitindo, ao mesmo tempo, espaços onde respiramos as nossas próprias emoções e transpomos as nossas vivências. Sendo, na íntegra, fruto do seu autor, é também a ele que se devem todos os instrumentos que pintam as canções apresentadas (além da guitarra portuguesa, toca, também, sintetizadores, balafon e percussões, sendo dele, também, os poucos efeitos vocais presentes), com a excepção do tema "Ressurreição", onde se verificam as colaborações de Michel Rousset (sax tenor), Beto Reis e Luís Aquino (percussões). Como corolário da obra, ainda uma referência aos grafismos que adornam e envolvem a música, que, além da concepção sóbria, alia três técnicas diferentes de fazer capas: a serigrafia, a fotografia e a litografia. Concorre, pois, tudo para garantir um carácter de intemporalidade ao trabalho desenvolvido, dotando-o de uma personalidade própria e vincada. Nos anos que se seguiram à edição, dá uma série de concertos um pouco por todo o país, indo, também, ao estrangeiro (Bélgica, França, Brasil), actuando sózinho perante um público receptivo à sua proposta e impressionado com a honestidade das suas composições. Adquirindo, por essa altura, uma inovadora Guitarra Portuguesa de 16 cordas, aumentando a escala dos graves mas preservando o som característico e as especificidades do instrumento, Joaquim começa a desenvolver novas composições. Destas, serão seleccionadas algumas para serem integradas naquele que constituirá o segundo (e último, pelo menos até à data), registo a solo do compositor. Intitulado "Jogos Matinais", e editado durante a década de 90, continuará o trabalho desenvolvido pelo seu antecessor, ao mesmo tempo que introduz as inovações que a sua nova guitarra de 16 cordas lhe permite abordar e desenvolver. Neste disco, irá ter a colaboração, no saxofone, de Rodrigo Amado (ex-SPQR, além de trabalho a solo e outros projectos...). Entretanto, e para além das mais variadas actuções que dá, colabora com outros músicos, participando, em 1996, no disco "O Verbo", dos Diva (colaborando, também, na apresentação ao vivo do mesmo), ao mesmo tempo que desenvolve um projecto com Joana Pessoa (unindo o contrabaixo à guitarra portuguesa). É, ainda, convidado pelos 4Portango para se reunir a eles na feiturada banda sonora do filme “Mortinho Por Chegar a Casa”. Em 1997, participa no disco "M", de Anamar e, em 1998, no disco "Origens", de Anabela. Nesse ano ainda, colabora com Pedro Caldeira Cabral no festival da Guitarra Portuguesa, integrado no programa da Expo-98. Desde essa altura, são parcas as informações sobre as suas actividades, tendo-se afastado do grande público e mantido um perfil mais reservado. Uma coisa é certa: tendo o amor pela música que revelava, e um talento que dominava com maestria, não será de admirar se, um dia destes, voltarmos a ouvir falar dele. [Paulo Martins]

DISCOGRAFIA

 
TRANSPARÊNCIAS [LP, Edisom, 1989]

JOGOS MATINAIS [CD, Edição de Autor, 1995]

PRESS
D'Azurém ou de Transparências, Luís Maio, Blitz nº242 de 20-06-1989