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terça-feira, 11 de julho de 2017

FLÁVIO COM F DE FOLHA

Provavelmente daria material para uma enciclopédia a contabilização de todos os nomes nacionais que, mal grado serem disso merecedores, nunca conseguiram ver reconhecido o seu mérito e traduzi-lo numa edição discográfica. Na letra F encontrar-se-ia, impreterivelmente, o nome de Flávio com F de Folha, uma das nomenclaturas mais originais a povoar o panorama pop-rock nacional e que terá surgido da adaptação do apodo de "Flávio com F de Foda" que um amigo deles teria! Nunca é demais mencionar o papel que o Rock Rendez-Vous teve na proliferação e divulgação de projectos musicais, mormente devido ao seu Concurso de Música Moderna. Foi este, precisamente, que impeliu a formação do grupo, que teve, como objectivo primário a participação nesse certame. O nome de São Bartolomeu de Messines poderia, à primeira vista, não auspiciar a existência de bandas da cahmada Música Moderna mas, é precisamente aí, em finais de 1987 que vão emergir da obscuridade, tendo como companheiros de andança outra banda local chamada Simplesmente Maria. Compostos, inicialmente, por Rui Farinha (guitarra), Henrique Silvestre (percussões, bateria) e Rui Santos (baixo), cedo acolheram mais um elemento, Paulo Neto (dos Simplesmente Maria), que substituirá Rui Farinha no baixo, enquanto este passa a encarregar-se das vocalizações. Concentram-se, então, no seu objectivo primordial, o de gravar uma maquete para enviar para a 5ª edição do famigerado Concurso de Música Moderna do Rock Rendez Vous. No espaço de uma semana compoem e gravam os quatro temas desse primeiro registo. Contudo, este não lhes permite alcançar o desejado apuramento. O som deste primeiro esforço revela-se de facto embrionário, embora já deixe denotar algumas potencialidades, mais precisamente no sentido apurado para a melodia. Curiosamente, está muito próximo de uns Velvet Underground, não só pela crueza do som mas, talvez mais especifcamente, pelo facto do compasso rítmico lembrar o batimento metronómico e percutivo de Maureen Tucker. Este primeiro desaire não os faz tremer nem vacilar. Durante esse ano ainda, actuam pela primeira vez, mais concretamente no Concurso Miss Escola Algarve. Trabalhando com afinco e desenvolvendo o seu entrosamento musical, dedicam-se à elaboração de novos originais, voltando a reincidir, no ano seguinte, como concorrentes à 6ª edição do Concurso, conseguindo, desta vez - e sem surpresas -, ser chamados a participar. Por esta altura já estavam a anos luz de distância dos primeiros tempos! Os esboços hesitantes das linhas de guitarras tinham-se tornado, agora, em perfeitos rendilhados sedutores, delicados e doces, viciantes mesmo, que um baixo seguro e confiante e uma bateria fiel e competente acompanham, enquanto a voz dança por entre os espaços das melodias sem esforço, embora ainda com uma sedutora timidez. A sua sonoridade irá valer-lhes comparações com outros escultores da pop nacional, os Requiem Pelos Vivos, com quem, aliás, Farinha tocara enquanto estudante em Coimbra. Dada a qualidade da sua proposta, não é de estranhar, então, que tenham chegado às finais do evento. Contudo os vencedores desse ano serão os Lobo Meigo, ficando o grupo imerecidamente relegado para um mero terceiro posto, logo atrás dos Clandestinos. Aliás, parece estar aqui marcada a sina do grupo, uma vez que, da sucessão de concursos aos quais irão concorrer (o Concurso Yamaha/MIT, a Mostra de Música Moderna de Silves e o Aqui del Rock, para além da II Mostra Música Moderna de Coimbra, para a qual, incompreensivelmente, não serão seleccionados!), em nenhum deles conseguirão obter a pontuação máxima. A entrada na década de 90 assistirá a uma alteração na abordagem sonora apresentada pelo grupo que se aproxima da tendência madchesteriana que monopolizava as atenções da cena independente. Disso será prova o tema "Sonhos Automáticos", incluído na compilação "Distorção Caleidoscópica", de 1992, e que foi objecto de um teledisco nesse ano ainda. Contudo, o projecto dava já sinais de cansaço interno. Em 1991, ainda antes da saída da compilação, Paulo Neto sai, para ser substituído por Rui Santos, que substituíra na fase embrionária da banda. O corte definitivo dá-se com a entrada de Sílvia Santos (que vinha dos Santo Vício), que irá ocupar esse lugar. Estava fechado, assim, o ciclo dos Flávio com F de Folha, que tanto prometeram mas nunca tiveram quem neles apostasse. Daí para diante, iniciar-se-ia o capítulo Supernova, pretendendo o novo nome apresentar uma nova realidade. [Paulo Martins]

COMPILAÇÕES

 
DISTORÇÃO CALEIDOSCÓPICA [LP, MTM, 1992]

PRESS
A Pop em Flor, João Pedro Costa, LP nº28 de 11-05-1989
Flávio com F de Folha, José Manuel Martins, Encanto Lusitano nº0 de 02-1990
Finisterra, Miguel Francisco Cadete, Blitz nº329 de 19-02-1991
Guitarras com F de Folha, Nuno Ávila, Ritual nº3 de 10-1991
Do Sul com Encanto, Raquel Pinheiro, Blitz nº399 de 23-06-1992