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sábado, 8 de julho de 2017

BAN

Os estilhaços que o movimento punk dispersou, um pouco por todo o lado, também encontraram eco num Portugal pós-revolucionário à procura de uma identidade e de um rumo. Esse cenário foi, então, propício ao despoletar de energias criativas e ao estabelecer de um corte com o pesado fardo que a evolução até aí, impunha a qualquer aspirante a músico. É desta envolvente que resultam, ainda em 1980, as primeiras experiências que, em 1981 se concretizariam numa banda, levando à formação de um obscuro agrupamento portuense, estranhamente intitulado de Bananas! Tendo o punk-rock e a new wave como horizonte, e almejando explorar os territórios do ska, não longe das sonoridades de uns Madness ou da Two-Tone, dão, assim, os primeiros passos incertos, mas instintivos, no mundo da música. É ainda por essa altura que dão os primeiros concertos, mas a formação revela-se frágil, afectada pelas sucessivas alterações na composição dos seus elementos. Só durante 1982 é que a constituição do grupo se começa a cristalizar num todo coerente, ao mesmo tempo que, inevitavelmente, se verifica uma mudança no tipo de som construido pela banda, aproximando-se do pós-punk e da cold wave. Constituidos, então, por João Loureiro na voz e teclados, João Ferraz na guitarra, Jorge Romão no baixo e Paulo Faro na bateria, concorrem, ainda durante esse ano, ao festival Só-Rock/7-Up, do qual são os vencedores, recebendo, como prémio, o direito à gravação de um single. Contudo, o facto de não acharem que a organização do mesmo disponibilizava as condições que eles pretendiam, fará com que, apesar de aliciante, os Bananas prescindam desse prémio, atitude pouco habitual numa época em que tudo o que era grupo com sonoridade mais ou menos próxima do rock gravava um disco, mormente se tivermos em conta que as idades dos músico rondavam os 18 ou 19 anos! Entretanto, Romão troca os Ban pelos GNR, entrando, em sua substituição, Francisco Monteiro, constituíndo-se, assim, o núcleo duro que permaneceria intocado até ao desmebramento do projecto. A recusa do prémio vai, contudo, ter as suas compensações, conseguindo, em 1983, assinar um contrato com a EMI-VC. O primeiro fruto sairá na forma de um single de dois temas, Identidade e Virgens Impulsos. Neste registo, estão já perfilhadas as matrizes sonoras que os definirão durante boa parte da década de 80. Bebendo as suas influências em grupos como os U2 (especialmente do álbum Boy), Joy Division ou Echo & The Bunnymen, o disco revela já uma coesão sonora pouco habitual num lançamento debutante, aliando a eficácia da secção rítmica a guitarras simples, mas contundentes, e uns teclados discretos e incisivos, sobre os quais são declamados poemas de uma seriedade consciente. Aliás, a promessa que constitui reflectiu-se nas boas críticas que a imprensa lhe dispensa, embora, e como é usual em muitos destes casos, tal se não espelhasse nas vendas... 1984 vai revelar-se um ano de extrema importância, ocorrendo dois factos capitais na sua carreira. Primeiro, verifica-se uma mudança no nome, encurtando-o para Ban, manobra consciente no sentido de os não associar e limitar a uma qualquer corrente ou estética musical. Segundo, o lançamento do EP Alma Dorida, registo seminal no panorama musical da altura e que os destingue, sem margens para dúvidas, dos outros projectos por cá editados. Aliás, o impacto do disco nas rádios e no mercado foi já maior, implantando-os como nome de referência obrigatório. O disco reforça e acentua as linhas criativas do anterior registo, revelando-se despido de futilidades, espelhando desencantos e envolvências de rituais urbanos, cantados em poesias cruas de sangue e dor, e alcançando, por vezes, atmosferas quase litúrgicas, onde o sagrado permanece intangível para o profano, embora indissociável deste. É, mais que tudo, um disco tocante e sentido! Durante o ano de 1985, actuam várias vezes na Galiza, tendo, também, visto a sua formação aumentar com a inclusão de Zezé Garcia (ex-Urb) na segunda guitarra. Por esta altura, e caso inédito em Portugal, irão ser convidados, pela editora francesa Aspects d’Une Certaine Industrie, para participar numa compilação a ser editada no ano seguinte. Infelizmente, e por motivos contratuais, vão ter que recusar, não deixando, contudo, de ser emblemático o anúncio que puseram no jornal Blitz, informando bandas que possivelmente estivessem interessadas da forma como poderiam contactá-la e participar. O ano de 1986 ia já avançado quando sai, finalmente, o sucessor de Alma Dorida, o EP Santa. Apresentando algumas nuances pop e um suavizar da crueza que caracterizava o seu antecessor, o disco contém já algumas pistas do que seria o futuro da sua carreira. A tonalidade, na sua maioria austera e metronómica, ainda se vive cinzenta, mas a introdução de certos contornos dançáveis e de uma maior complexidade de arranjos nas percussões, apontam para um repensar de percurso e um recriar de imagísticas e conceitos. Parco de palavras, utiliza-as como manifestos ou slogans, enquanto a música corre escorreita e fluída ao tingi-las de significado e contexto. Enriquecido por novas texturas e instrumentos, às quais não são alheias as contribuições de outros músicos (Paula Sousa dos Repórter Estrábico, nas teclas), beneficia, também, dos dedos mágicos e sabedores de Ricardo Camacho (Fundação Atlântica, Sétima Legião) na produção, assistido por Nuno Rebelo (Street Kids, Mler Ife Dada), que também irão dar uma mão nos arranjos, tocando teclados e guitarra, respectivamente. Merecidamente, é-lhe atribuído o título de melhor 12’’ nacional do ano pelo programa Som da Frente, de António Sérgio. A banda decide então, durante esse período, tirar uma licença sabática e construir os alicerces de uma nova sonoridade. Para isto em muito contribuirá a entrada de Ana Deus para a formação, em 1987. Ainda durante esse ano, e já sem Zezé Garcia, começam a trabalhar no primeiro álbum, que ficará pronto em 1988. O disco marca, de uma forma acentuada, um distanciamento com a sua anterior sonoridade mas, mais ainda, corta radicalmente com toda a tradição de fazer música em Portugal, renegando o estigma “rock”, com o qual eram apodadas todas as bandas portuguesas pós “Ar de Rock” do Rui Veloso, e assumindo-se descomprometidamente pop. Elegante, sofisticado, inovador e marcante, Surrealizar vai ser uma pedrada no charco, surpreendendo tudo e todos, sendo possuidor de um ritmo quase diabólico que impele à dança, onde antes apelava à meditação. Dele são retirados os singles Surrealizar (em versão máxi), com remisturas mais dançáveis desse tema e de Brouhaha, e o 7’’ Encontro Com Mr. Hyde. As rádio renderam-se ao apelo e tornaram esses temas nas grandes canções do ano. No disco, irão ainda colaborar Paula Sousa (mais uma vez) e Paulo Neves, nos teclados, e Rui Fernandes, no saxofone (que, pouco tempo depois, entra como membro efectivo). Para responder às novas exigências sonoras, e para tornar o espectáculo ao vivo o mais fiel possível à nova etapa da banda, o grupo abraça, ainda, e de forma permanente, outro novo elementos, Ricardo Serrano, nas teclas (que já vinha sendo colaborador nos concertos). Durante 1988 e 1989, trabalham, então, na construção do longa duração sucessor, tarefa aparentemente difícil (o mito do difícil segundo álbum...) dados os resultados do predecessor e da reacção do público face a ele. Contudo, os Ban depressa desconstroem esse mito e lançam Música Concreta, que, sem sombra para dúvida, consegue superar todas as expectativas. Mais complexo na abordagem sonora, primorando por arranjos sedutores, beneficia de uma excelente produção, o que lhe confere um carácter único de requinte (em certa medida comparável ao álbum homónimo dos Clan of Xymox para a 4AD). Recheado de pérolas auditivas, terá em Suave o seu single promocional, embora Excesso, Aqui e Dias Atlânticos (que foi objecto de um clip promocional) sirvam, também, como cartões de visita radiofónicos. Este disco apresenta, também, os primeiros contributos criativos de Ana Deus, em Euforia e Faz de Conta, e, mais uma vez, recorre à colaboração de outros músicos, contando, desta vez, com Sei Miguel, no trompete. Dois anos depois, em 1991, a saída do 7’’ Rosa Flor anuncia o terceiro LP, Mundo de Aventuras. Mantendo a excelência dos anteriores registos, o disco revela-se, no entanto, com uma sonoridade mais trabalhada em estúdio, assumindo os teclados uma maior importância no resultado final. Mais uma vez, a presença de músicos convidados se irá verificar, casos de Paulo Scavullo (ex-Telavive), em segundas vocalizações, e Alexandre Soares, na harmónica. Deste álbum, irá ainda ser lançado o máxi da música que o baptizou. Tendo duas remisturas do tema título, irá, ainda, incluir o inédito Pequeno Amor (depois incluído na versão CD do álbum). Documento é o nome da compilação que vê a luz do dia em 1992. Pensada já desde 1990, mas vítima de inevitáveis atrasos, o disco incluirá todos os três singles anteriores a Surrealizar, e que já começavam a ser difíceis de encontrar no mercado. Como que a fechar um cíclo, essa colectânea servirá de canto de cisne dos Ban, como que o reviver de toda uma vida aquando do momento da morte. Contudo, e paralelamente à edição de uma segunda compilação, intitulada Num Filme Sempre Pop, os Ban decidem reunir-se de novo, embora sem Ana Deus (que estava, na altura, a trabalhar com os Três Tristes Tigres), sendo esta substituída por Emília Santos (que vinha dos Zero, projecto que alguns elementos dos Ban desenvolveram com Alexandre Soares – ex-GNR – durante o interregno). Este CD, que abrange apenas os temas pós Surrealizar, incluirá, numa primeira edição, um cd-single com os temas que haviam sido remisturados para versões máxi. Este ressurgimento, contudo, manterá a sua actividade limitada apenas a concertos, pese embora a entrada estúdio dos Ban, em 1995. Infelizmente, um novo registo de originais nunca verá a sua edição, ficando as canções apenas por maquetes. 1997 será o ano do segundo fim do projecto, desta vez por um período mais alargado... Dois anos mais tarde, a EMI lança nova compilação, Irreal Social, via Colecção Caravela, mas que nada traz de novo, limitando-se a repisar o caminho da anterior. Sete longos anos se irão passar, por entre rumores e falsos alarmes, até que, em 2004, e no maior dos secretismos, é reavivada a chama dos Ban, sem pressões e sem objectivos predefinidos, tocando pelo puro prazer de tocar... Esta reunião abrirá caminho para que, cinco anos depois, João Loureiro, Rui Fernandes, Paulo Faro e João Ferraz, conjuntamente com uma nova vocalista, Mariana Matos, quebrem o selo do secretismo e anunciem a decisão de voltar a enfrentar as lides musicais, ao mesmo tempo que a sua anterior editora reedita, pela primeira vez, o album Surrealizar, desta feita com duas faixas extra, as versões 12’’ que, na altura, compunham o máxi Irreal Social. Segundo se vai podendo apurar em algumas entrevistas dispersas, são uns novos Ban que emergem nesta reissurreição, apostando na língua inglesa como veículo de expressão (facto já pretendido, antes, por Loureiro, mormente aquando do projecto The Song Experience/Zero). Um novo trabalho, incluindo canções das primeiras sessões de 2004, já estará gravado, devendo incluir 14 temas, e, apesar de manter alguns vínculos com a anterioridade dos seus elementos, irá primar por um menor “imediatismo” e um carácter experimental mais acentuado, ao mesmo tempo que está prevista a sua edição (este ano ainda) pelo selo próprio do grupo. Entre os vários interregnos, os músicos dos Ban foram passando por vários projectos, entre os quais se destacam os The Song Experience/Zero, Magenta ou Dr Sax, entre outros, mas isso será objecto de outros artigos. Quanto a Ana Deus, formou os Três Tristes Tigres e, também, tem um projecto a solo, entre várias colaborações. [Paulo Martins]

DISCOGRAFIA

 
IDENTIDADE [7"Single, EMI-VC, 1983]

 
ALMA DORIDA [MLP, EMI-VC, 1984]

 
SANTA [12"EP, EMI-VC, 1986]

 
SURREALIZAR [LP, EMI-VC, 1988]

 
IRREAL SOCIAL (REMIX) [12"EP, EMI-VC, 1988]

 
ENCONTRO COM MR.HYDE [7"Single, EMI-VC, 1988]

 
MÚSICA CONCRETA [LP, EMI-VC, 1989]

 
MÚSICA CONCRETA [CD, EMI-VC, 1989]


MÚSICA CONCRETA [Tape, EMI-VC, 1989]

 
DIAS ATLÂNTICOS [7"Single, EMI-VC, 1989]

 
SUAVE [7"Single, EMI-VC, 1989]

 
ROSA FLOR [7"Single, EMI-VC, 1990]

 
MUNDO DE AVENTURAS [7"Single, EMI-VC, 1990]

 
MUNDO DE AVENTURAS [LP, EMI-VC, 1991]

 
SEGREDO [7"Single, EMI-VC, 1991]

 
MUNDO DE AVENTURAS (REMIX) [12"EP, EMI-VC, 1991]

 
DOCUMENTO 83-86 [LP, EMI-VC, 1992]

 
NUM FILME SEMPRE POP [CD, EMI-VC, 1994]

 
IRREAL SOCIAL [Colecção Caravela] [CD, EMI-VC, 1999]

 
SURREALIZAR [Reissue] [CD, EMI, 2009]

 
DANSITY [CD, Manufactor, 2010]

 
BANDAS MÍTICAS 23 [CD, Levoir/CM, 2011]

COMPILAÇÕES

 
POP ROCK EM PORTUGUÊS [2xCD, Megadiscos, 1997]

 
O MELHOR DO POP PORTUGUÊS 1985-1990 [CD, EMI, 2005]

 
O MELHOR DO ROCK PORTUGUÊS 1980-1989 [CD, Farol, 2007]

PRESS
Banidos Mas Vivos, Rui Monteiro, Blitz nº3 de 20-11-1984
Perícia Sem Imaginação, Luís Maio, Blitz nº64 de 21-01-1986
Santa, Manuel Falcão, Blitz nº104 de 28-10-1986
A Surrealizar, David Pontes, Blitz nº179 de 05-04-1988
A Pop que Pensa, Manuel Falcão, Blitz nº183 de 03-05-1988 [CAPA]
Muito Concretamente, Jorge Pires, Blitz nº245 de 11-07-1989 [CAPA]
Tempo Novo, Hugo Moutinho, Blitz nº320 de 18-12-1990
Um Outro Contemplar, Miguel Santos, Blitz nº327 de 05-02-1991
Ban, Víctor Afonso, Ritual nº2 de 03-1991
Canções Essenciais, António Pires, Blitz nº540 de 07-03-1995