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terça-feira, 11 de julho de 2017

ACTVS TRAGICVS

Retirando o nome de uma cantata de Johan Sebastian Bach (escrita como réquiem fúnebre), os Actvs Tragicvs vão surgir, durante o ano de 1985, em Almada. Formados por Carlos Vara (voz e guitarra), Pedro Temporão (baixo) e Fernado Melancia (bateria), começam a compor, apostados em seguir uma linha muito própria e intemporal. Entretanto, sentem a necessidade de enriquecer o seu som, convidando para isso, em 1987, Luís Wire para segunda guitarra. Durante este período, gravam as primeiras demos e dão os primeiros concertos (inclusive no Porto), acumulando experiência e concretizando as suas visões sonoras. Contudo, o grupo não permanecerá impermeável a inevitáveis mudanças de formação, tão comuns em agrupamentos que se prolongam no tempo. Assim, Fernando é substituido, em 1988, por Alberto Dondinho, anunciando uma época conturbada na estabilidade da formação. Assim, e já no ano seguinte, Dondinho sai, entrando para o seu posto José Nave, ao mesmo tempo que Jorge Fernandes passa a ocupar o lugar de Wire. Paralelamente, o colectivo expande-se, com a entrada de Carlos Santos para as teclas, programações e acordeão, alargando a poesia sonora da banda e conferindo-lhe uma maior riqueza de arranjos e texturas. É essa formação (Vara, Temporão, Fernandes, Santos e Nave) que vai registar a primeira edição oficial da banda, datada de 1991, uma cassete-álbum homónima (através da própria ACT Records e distribuído pela Promotion Tapes – que mais tarde se tornaria na Independent Records). O registo, partilhando gravações de estúdio com outras ao vivo, revela-se uma excelente surpresa, incluindo composições tão brilhantes como "Factum" (a melhor canção portuguesa que os Sétima Legião nunca fizeram) ou "Sinais Ausentes". Por toda a cassete, respiram-se e transpiram-se atmosferas melancólicas de nostalgia eterna, de aspirações a utopias de paz e de um lirismo íntimo que pretende encontrar um fuga para o desespero existencial. Possuidoras de intensas e inventivas linhas de baixo, pelas quais se entretecem, em subtis jogos de desengano, duas guitarras tenazmente esculpidas, discretos, mas essenciais, arranjos de teclados, e uma voz que clama o impossível da saudade, as composições confrontam a Eternidade e rasgam parte do véu que encobre a face de Deus. Atraindo, desde logo, os impropérios de inúmeros detractores (pois que se vivam os anos de rescaldo da Madchester, ao mesmo tempo que os ventos já carregavam em si as sonoridades do Grunge), o álbum constitui uma afirmação de intemporalidade, de perenidade e de recusa em seguir as marés da inconstância. Ainda durante esse ano, gravam um vídeo para o programa Pop-Off, tendo o tema escolhido sido, precisamente, "Factum II" (uma versão encurtada e com algumas diferenças relativamente à original). Após a sua edição, novas alterações no seio da banda se vão verificar. Para além da entrada de um novo vocalista, Roland Popp, que permitirá maior liberdade criativa a Vara na guitarra, e de uma segunda vocalista, Cristina Martins, saem Fernandes e Nave, substituídos, respectivamente, por Paulo Romão e Frederico Cunha. Apesar disto, e já em 1992, um novo registo vê a luz do dia, a cassete-EP intitulada "Jeune Fille", também pela ACT Records. Algumas diferenças notórias a destinguem da anterior edição. Por um lado, o registo vocal e o recurso ao inglês como língua de expressão (no anterior, eram o português e o francês), bem como a voz de Cristina, criam dialéticas novas e ambiências polvilhadas por novas cores. Por outro, as atmosferas vividas têm uma aproximação a contornos mais acústicos, ao mesmo tempo que revelam tangências dissonantes. Contudo, o aspecto mais importante é a apropriação de vertentes mais experimentalistas, mormente nas pequenas peças intrumentais (cinco, no total), três das quais (Innocent I & II e Old Boyfriends) serão incluidas na compilação “Fóssil Sampler”, editada pela Grito Tapes ainda durante esse ano (onde também pontilham já os Cello, projecto de Pedro Temporão, José Nave, Cristina Martins e Carlos Santos que, ainda durante esse ano de 1992, edita a sua primeira demo). Continuando a actuar ao vivo, lançam a cassete-álbum "Solitaire Train/Comboio Solitário". Editada durante o ano de 1993, conterá, não apenas, temas novos mas, também, versões regravadas de composições incluídas nos anteriores registos, demonstrando uma maior evolução a nível do domínio do trabalho de estúdio e, acima de tudo, a coesão sonora resultante de uma formação estável, provando, definitivamente a maturidade do projecto junto dos seus detractores. Paralelemente, os Cello registam o seu primeiro álbum de estreia para a Symbiose. Durante o Outono desse ano, entram de novo em estúdio, para registar um EP. Pretendendo-se a sua prensagem em vinil, acaba por ter que sair em CD, edição essa a cargo da Independente Records. Incluíndo 4 faixas (uma das quais, “The Way We Live”, fazia já parte do alinhamento de “Jeune Fille”), o registo constituiu um importante, mas também, e infelizmente, derradeiro passo na carreira da banda. Demonstrando a constante busca de novas soluções compositivas, assim como uma melhor colocação da voz, o disco apresenta uma melhor produção, com cada instrumento a demarcar-se mais fielmente dos outros, ao mesmo tempo que é perceptível a complexa teia em que eles interagem. Constitui, assim, e para muitos, o culminar do refinamento de uma fórmula em constante desenvolvimento. O ponto alto será, talvez, a bela e sedutora “Floating In Time”, enquanto “Liebeslind” apresenta um possível novo rumo a seguir. O grupo ainda actuou algumas vezes e chegou mesmo a falar-se num longa duração, já para 1995. Todavia, e talvez por os seus elementos se encontrarem cada vez mais envolvidos noutros projectos, o grupo dá por findas as suas actividades antes ainda da concretização desse registo, deixando para trás encanto e saudade, embora ainda vejam incluído, em 1995, no primeiro volume da compilação “Deixe de Ser Duro de Ouvido”, o tema “The Way We Live”. Em 2009, aparece uma referência à banda no mais recente livro de Mick Mercer, “Music To Die For”, coincidindo com o crescente interesse que a banda tem vindo a despertar um pouco por todo o lado, graças à facilidade com que a internet permite a divulgação do seu trabalho a uma comunidade mais alargada. [Paulo Martins]

DISCOGRAFIA


ACTVS TRAGICVS [Tape, ACT Records, 1991]


JEUNE FILLE [Tape, ACT Records, 1992]


SOLITAIRE TRAIN [Tape, Promotion Tapes, 1993]

 
ACTVS TRAGICVS [CD, Independent Records, 1994]

COMPILAÇÕES


FÓSSIL SAMPLER [Tape, Grito Tapes, 1992)

 
DEIXE DE SER DURO DE OUVIDO 01 [CD, DDSDDO, 1995]

PRESS
Finisterra, Fernando Santos Marques, Blitz nº354 de 13-08-1991
Actus Tragicus, Manuel Cândido Silva, Ritual nº5 de 05-1992